
Transparência Internacional diz que Bolsonaro e Moraes erram — e expõe crise institucional brasileira
Organização anticorrupção vê “grave desinstitucionalização” no País: enfraquecimento da PGR no governo Bolsonaro teria levado STF a agir além dos limites; medidas duras de Moraes contra o ex-presidente reacendem debate sobre freios e contrapesos.
Da Redação São Paulo TV
São Paulo, 23 de julho de 2025
Lide
A Transparência Internacional – Brasil afirmou que “nenhum dos lados está certo” no embate que coloca o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no centro de uma crise institucional que já ultrapassa fronteiras políticas e jurídicas. Em nota enviada à imprensa, o diretor-executivo Bruno Brandão responsabilizou Bolsonaro por ter iniciado o processo de corrosão de freios e contrapesos ao enfraquecer a Procuradoria-Geral da República (PGR) durante seu governo. Ao mesmo tempo, alertou que a reação das instituições — em especial decisões cada vez mais expansivas do STF — tem, por vezes, extrapolado os limites do mandato constitucional da Corte.
Contexto imediato: medidas cautelares e disputa nas redes
O posicionamento da Transparência Internacional ocorre após uma sequência de medidas cautelares impostas por Moraes a Bolsonaro no âmbito das investigações sobre tentativa de golpe e obstrução de Justiça. Entre as determinações: uso de tornozeleira eletrônica, restrições de mobilidade (toque de recolher e proibição de se aproximar de embaixadas ou diplomatas), entrega de passaporte e banimento de uso direto e indireto de redes sociais.
A escalada ganhou novo capítulo quando Bolsonaro apareceu em vídeo publicado nos perfis do filho, deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), mostrando a tornozeleira e chamando o equipamento de “símbolo da máxima humilhação”. A defesa do ex-presidente foi intimada a explicar o episódio e pediu esclarecimentos sobre o alcance da proibição — se entrevistas a veículos de imprensa que acabam replicadas online configuram violação.
O que disse a Transparência Internacional
Em avaliação enviada à imprensa, Bruno Brandão descreveu o momento como resultado de “grave desinstitucionalização” vivida pelo Brasil e, em paralelo, observada também nos Estados Unidos. Os principais pontos:
- Origem do problema: Bolsonaro teria corroído mecanismos de controle democrático, destacadamente ao indicar para a PGR um procurador-geral alinhado politicamente ao Planalto, esvaziando a capacidade de fiscalização independente do Ministério Público.
- Impunidade e sinalização perigosa: A neutralização da PGR teria contribuído para um ambiente de impunidade a agentes poderosos e aberto espaço para práticas que fragilizam a confiança pública nas instituições.
- Reação institucional desmedida: Com os canais tradicionais de controle enfraquecidos, o STF — e particularmente decisões monocráticas — passou a atuar de modo mais proativo, em certos momentos avançando sobre competências de outros Poderes. O caso das medidas extensivas sobre o uso de redes sociais é citado como exemplo do debate sobre limites entre proteção da ordem democrática e liberdade de expressão.
- Responsabilização é necessária, mas deve ser proporcional: A Transparência Internacional defende investigação rigorosa e punição de todos os envolvidos em eventual conspiração golpista, mas ressalta que o caminho precisa preservar garantias legais e respeito estrito ao devido processo.
“Ironicamente, o processo que hoje leva a decisões judiciais extraordinárias foi inaugurado pelo próprio Jair Bolsonaro, ao corroer instrumentos básicos de freios e contrapesos do Estado democrático de direito. A resposta institucional não pode, contudo, abrir mão de limites.” — Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional – Brasil.
Por que importa
1. Freios e contrapesos sob tensão: Quando um dos pilares (no caso, a PGR) perde capacidade de atuação independente, outras instituições tendem a ocupar o vácuo — o que pode gerar sobrecarga e expansões interpretativas de competência.
2. Precedentes para o futuro: Medidas judiciais excepcionais adotadas em contextos de crise frequentemente viram referência em disputas futuras, inclusive contra adversários políticos distintos.
3. Credibilidade internacional: Percepções de instabilidade institucional e de impunidade (ou, no extremo oposto, de ativismo judicial excessivo) afetam ambiente de investimentos, cooperação jurídica internacional e acordos comerciais.
4. Ecossistema de desinformação: Restrições a redes sociais e alegações de censura alimentam narrativas polarizadas que circulam globalmente, com impactos sobre confiança em eleições, Justiça e imprensa.
Linha do tempo recente
18 de julho de 2025 – Moraes impõe medidas cautelares: tornozeleira eletrônica, restrições de circulação e proibição de uso de redes sociais.
18 de julho – Decisão do STF divulgada: ministro aponta “confissão flagrante” de tentativa de obstrução de Justiça em comunicação de Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro.
21 de julho – Vídeo de Bolsonaro aparece nas redes do filho; Moraes estende proibição para uso indireto de plataformas e dá 24h para explicações.
22 de julho – Defesa de Bolsonaro pede delimitação do alcance da ordem, alegando não controlar conteúdos publicados por terceiros.
22/23 de julho – Transparência Internacional divulga posicionamento dizendo que “nenhum dos lados está certo” e relaciona crise atual ao enfraquecimento da PGR no governo Bolsonaro e ao consequente expansionismo do STF.
O que está em jogo no STF
As investigações sobre tentativa de golpe, obstrução de Justiça e outros crimes contra o Estado Democrático de Direito avançam em diferentes frentes sob relatoria de Alexandre de Moraes. A depender dos desdobramentos:
- Conversão de medidas cautelares em prisão preventiva caso se entenda haver descumprimento reiterado das ordens ou risco à instrução processual.
- Denúncias formais e recebimento de ações penais que podem envolver Bolsonaro, assessores, militares e parlamentares.
- Debate colegiado: Parte das medidas monocráticas pode ser submetida ao plenário do STF, onde ministros com visões distintas sobre alcance das cautelares poderão impor limites ou ratificar a linha dura.
Especialistas ouvidos
Para contextualizar o alerta da Transparência Internacional, ouvidos pela São Paulo TV juristas e pesquisadores em governança apontam que a combinação de captura política de órgãos de controle e judicialização ampliada costuma aparecer em democracias que atravessam ciclos de polarização aguda. Alguns sinais de alerta recorrentes:
- Nomeações estratégicas que reduzem autonomia investigativa.
- Desidratação orçamentária ou administrativa de agências de fiscalização.
- Concentração de decisões urgentes em gabinetes monocráticos, sem controle colegiado imediato.
- Uso político de sanções econômicas externas (tarifas, investigações comerciais) para pressionar governos em disputas domésticas de narrativa.
Entenda: o papel da PGR e por que sua autonomia importa
A Procuradoria-Geral da República é peça-chave no sistema de freios e contrapesos: cabe-lhe propor ações de controle de constitucionalidade, denunciar autoridades com foro privilegiado e fiscalizar políticas públicas sob o prisma legal. Quando sua atuação é percebida como alinhada ao Executivo, investigações sensíveis podem ser retardadas ou arquivadas; o resultado é o deslocamento desse papel para outras instituições — no Brasil, frequentemente o STF — com efeitos sobre equilíbrio entre Poderes.
E as redes sociais?
O banimento de Bolsonaro de plataformas digitais — estendido a aparições em perfis de terceiros — testa fronteiras entre proteção da ordem pública e liberdade de expressão/defesa política. Há pelo menos três questões jurídicas em discussão:
- Alcance da ordem: Se uma entrevista jornalística publicada em redes sociais de veículos caracteriza uso indireto proibido.
- Responsabilidade de terceiros: Até que ponto familiares, aliados ou meios de comunicação podem divulgar imagens ou falas do investigado.
- Proporcionalidade: Se o risco à instrução processual ou à segurança institucional justifica medidas tão amplas antes de condenação.
Próximos passos
- Resposta formal da defesa ao STF sobre o vídeo nas redes de Eduardo Bolsonaro.
- Decisão de Moraes (ou do plenário) sobre eventual ampliação ou flexibilização das restrições.
- Novas manifestações da Transparência Internacional e de entidades da sociedade civil sobre garantias processuais e combate à impunidade.
- Monitoramento internacional: governos estrangeiros e organismos multilaterais acompanham o caso por seus impactos em cooperação jurídica, comércio e clima democrático regional.
Como esta reportagem foi produzida
Esta matéria reúne nota da Transparência Internacional – Brasil, decisões recentes do ministro Alexandre de Moraes no âmbito das investigações sobre Jair Bolsonaro, manifestações da defesa do ex-presidente e registros de órgãos oficiais e veículos de imprensa nacionais e internacionais monitorados pela redação da São Paulo TV.
Redação São Paulo TV
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