
Prisão domiciliar de Bolsonaro não deve alterar andamento do julgamento da trama golpista no STF
Da redação da São Paulo Tv jornalista Bene Correa
A previsão do Supremo Tribunal Federal de iniciar no mês que vem o julgamento da ação que trata da tentativa de golpe de estado não deve ser alterada, mesmo com a decretação da prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro.
No momento, o processo está na fase das alegações finais, que é a última etapa antes de ser levado ao plenário da Primeira Turma do STF, responsável pelo julgamento do processo.
O objetivo do STF é que até o final do ano, a maior parte das análises envolvendo os cinco núcleos que envolvem 33 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) esteja encerrada.
De acordo com o jornal O Globo, ministros do STF e integrantes da Procuradoria-Geral da República (PGR avaliam que o julgamento da ação penal do “núcleo crucial” da tentativa de golpe deve ocorrer entre no início de setembro, desde que não haja intercorrências.
Interferência de Trump
Os ministros não acreditam que a crise gerada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, interfira no julgamento.
Uma das possibilidades é pincelar os votos, destacando a defesa da soberania. A atuação de Bolsonaro e do filho Eduardo (PL-SP) na busca de apoio dos Estados Unidos à causa da extrema-direita brasileira, para pressionar o Judiciário, está sendo investigada em outro caso em andamento na Corte.
Alguns ministros da Primeira Turma já falaram em defesa da soberania. Flávio Dino, por exemplo, acredita que Jair Bolsonaro teria articulado com autoridades dos Estados Unidos para impor sanções econômicas ao Brasil, com o objetivo de interferir nas investigações conduzidas pelo STF.
“A coação assume uma forma inédita: o ‘sequestro’ da economia de uma Nação, ameaçando empresas e empregos, visando exigir que o Supremo Tribunal Federal pague o ‘resgate’, arquivando um processo judicial”, escreveu o ministro.
Para Dino, o episódio é um caso “absolutamente esdrúxulo”, que deve ser objeto de estudos acadêmicos, inclusive em universidades norte-americanas.
Ainda de acordo com Dino, “é explícito que se cuida de intolerável estratégia de retaliação política, que afronta a soberania nacional ao constranger as instituições públicas brasileiras – incluindo este Supremo Tribunal –, a fim de que suas decisões sejam subalternas à vontade pessoal de líder político de Estado estrangeiro”.
O ministro Luiz Fux também destacou a “importância da soberania nacional” e ressaltou que o Supremo tem “demonstrado de forma inequívoca a sua independência e a sua impermeabilidade às pressões dos setores que manifestam desagrado com as suas decisões.
“Os juízes devem obediência unicamente à Constituição e às leis de seu país. No exercício de seu mister, devem arbitrar conflitos tanto quanto possível em prol de sua pacificação, calcados nos consensos morais mínimos de uma sociedade plural e complexa. Na seara política, contextos e pessoas são transitórios. Na seara jurídica, os fundamentos da República Federativa do Brasil e suas normas constitucionais devem ser permanentes”, afirmou o ministro.
Julgamento e divergência
A análise do mérito da ação penal que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro como réu será feita pela Primeira Turma da Corte, e somente será marcada quando Moraes, que é o relator do caso, pedir a inclusão na pauta de julgamentos ao presidente do colegiado, ministro Cristiano Zanin.
O julgamento é apontado como um dos mais relevantes do segundo semestre e pode não ser concluído em uma única sessão, dada a complexidade das questões jurídicas envolvidas.
Durante a análise do mérito da ação, o entendimento do ministro Luiz Fux sobre o caso provocou divergência. Desde o julgamento do recebimento da denúncia da trama golpista, Luiz Fux vem fazendo observações em relação à acusação apresentada pela PGR.
O ministro chegou a divergir com relação à competência da Primeira Turma para a análise do caso. Na visão dele, o foro adequado seria o plenário da Corte.
O ministro divergir de Moraes também não concordou com as restrições impostas a Bolsonaro, como o uso de tornozeleira eletrônica, após pedido da Polícia Federal. Com a discordância, as medidas acabaram sendo confirmadas pelo placar de 4 votos a 1, desfavoráveis ao ex-presidente.
Próximos passos
Com a conclusão da fase de interrogatórios dos réus que integram outros núcleos, como militares e ex-assessores de Bolsonaro, Moraes deve abrir em breve o prazo para que as alegações finais sejam apresentadas. Primeiro, com as considerações da PGR. Na sequência, será a vez dos acusados.
Ao longo dos interrogatórios dos demais núcleos, admissões e confissões foram feitos por parte dos militares ouvidos.
O general da reserva Mário Fernandes, por exemplo, admitiu ser o autor do documento que ficou conhecido como “Plano Punhal Verde e Amarelo”, um texto que, segundo a Polícia Federal, traçava cenários para o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal da trama golpista.
No depoimento, o general disse que o arquivo digital era um pensamento dele que foi digitalizado, que era um estudo de situação, uma análise de riscos que, por costume próprio, resolveu digitalizar. Ele afirmou que o pensamento digitalizado não foi compartilhado com ninguém .
A avaliação nos bastidores é que as falas de militares admitindo a existência de um plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocam o processo em um grau avançado de robustez, tendo em vista que os próprios réus admitem a existência dos fatos apurados.
Num outro interrogatório, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, também réu, admitiu ter arquitetado a prisão de ministros do Supremo quando estava na Divisão de Inteligência do Exército.
Processos da fila
A presença dos casos da trama golpista na Primeira Turma e a atual composição do colegiado faz com que os principais casos criminais estejam neste colegiado, tarefa que até então cabia à Segunda Turma, onde a Lava-Jato foi e ainda é julgada.
Isto porque, além de Moraes, o grupo conta com Flávio Dino e Zanin, ministros à frente de investigações sobre emendas e vendas de sentenças.
Além das ações penais da trama golpista, há outros processos na fila dos ministros.
O caso mais adiantado é o dos oficiais da PM-DF. O julgamento está agendado para ocorrer no plenário virtual entre os dias 8 e 18 de agosto.
Na sequência, a tendência é que o processo envolvendo os mandantes do assassinato de Marielle seja liberado para análise.
A ação deve entrar na pauta ainda em agosto, com expectativa de julgamento no início de setembro, a depender da conclusão do voto do relator, ministro Alexandre de Moraes.
São réus o ex-deputado federal Chiquinho Brazão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE) Domingos Brazão e o ex-chefe da Polícia Civil Rivaldo Barbosa, além de mais duas pessoas. Eles negaram as acusações e pediram para serem absolvidos.
Outro processo que pode chegar à turma ainda neste ano envolve suspeitas de desvios em emendas parlamentares.
São réus os deputados federais Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e o suplente Bosco Costa (PL-SE). Eles são acusados de integrar um esquema de desvio de verbas públicas. As defesas negam qualquer irregularidade. O caso, no entanto, ainda está em fase de instrução, com depoimentos de testemunhas em andamento.