
Decisões judiciais provocam queda de arrecadação seguida de aumento de impostos*
Artigo – Kiyoshi Harada
Há dois fatores que impulsionam a escalada de tributos que parece não ter fim.
De um lado, os incentivos fiscais, alguns deles, espúrios, que causam perdas arrecadatórias anuais de ordem de R$ 340 bilhões.
De outro lado, decisões judiciais que ora decretam exonerações tributárias, ora diminuem a base de cálculo de tributos mediante a exclusão de valores de outros tributos embutidos na base de cálculo.
Os incentivos fiscais não se justificam ante o regime da livre concorrência adotado como espinha dorsal da exploração da atividade econômica cabente, primacialmente, ao setor privado (art. 170 da CF).
As exonerações do imposto de renda das pessoas físicas, igualmente, não têm sentido considerada a natureza universal desse imposto no mundo inteiro.
Todos devem pagar esse imposto dentro do princípio da graduação segundo a capacidade contributiva de cada um. O hipossuficiente deve contribuir com parcela mínima, de R$ 5, R$ 10 reais como expressão de sua cidadania.
A Constituição japonesa prescreve no seu art. 30 que todos deverão pagar impostos, como decorrência do princípio de que todos são iguais perante a lei.
José Cassalta Nabais, professor catedrático da Universidade de Coimbra, em seu excelente livro “O dever fundamental de pagar impostos” explica que existe nas demais Constituições essa obrigação implícita de pagar impostos, para fazer face aos serviços públicos essenciais e gerais prestados pelo Estado.
Decisões judiciais da Corte Suprema que desoneram ou excluem valores embutidos na base de cálculo de tributos, mediante invocação de argumentos extrajudiciais, também, contribuem para a escalada dos tributos.
Há dois regimes tributários no mundo:
a) o da tributação por fora adotado nos Estados Unidos, Japão e outros países adiantados. A Reforma Tributária implantada pela EC nº 132/2023 adotou o regime da tributação por fora.
b) o regime da tributação por dentro que inclui no preço todas as despesas do comerciante, do industrial ou do prestador de serviços, incluindo os valores de outros tributos incidentes sobre a mercadoria, produto e serviços.
Trata-se de opção do legislador dentro da política tributária traçada pelo ente tributante. Não há vedação constitucional à essa tributação por dentro.
A elevação da carga tributária ocorre tanto pela elevação de alíquotas, como pelo aumento de base de cálculo.
A mensuração da carga tributária pelo aumento da base de cálculo de determinado tributo já foi levada em conta pelo legislador, quando instituiu aquele tributo.
Assim, não cabe ao Judiciário alterar o regime tributário adotado pelo legislador, como vem ocorrendo com sucessivas exclusões de impostos e contribuições da base de cálculo do PIS/COFINS.
Tudo começou com a chamada tese do século em que se buscou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, sob o equivocado fundamento de que o ICMS não é mercadoria, como não o é a margem de lucro embutido na base de cálculo, assim como as despesas com a folha de pagamentos etc. Pergunta-se, então, por que excluir apenas o valor do ICMS? Por que não excluir o valor da mão de obra, o valor da margem de lucro? Utilizou-se o critério seletivo de excluir o valor do ICMS porque é fácil de identificar, pois ele se encontra destacado na nota fiscal.
Esclareça-se, por oportuno, que o valor destacado do ICMS não é o valor do imposto incluído em sua base de cálculo que é bem menor. O destaque o ICMS é pura e simplesmente para assegurar o regime não cumulativo por meio do mecanismo contábil de crédito pela entrada e débito pela saída. Como o ICMS incide por dentro, uma mercadoria de R$100 reais, R$18 reais corresponde ao imposto. Logo o preço da mercadoria é de R$82,00 reais sobre os quais aplica-se a alíquota de 18% resultando no ICMS de R$14,76 embutido no preço. Só por esse equívoco causa um prejuízo de R$3,24 aos cofres da União. Quando se altera o regime legal de tributação mediante uso de argumentos que nada têm de jurídico os equívocos se sucedem em cascata.
No RE nº 240.785 em que se discutia essa questão já havia 9 votos pela exclusão, quando foi aparelhada pela Fazenda Nacional a Ação Direta de Constitucionalidade – ADECON – pela constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS nas operações internas, pois a sua exclusão se limitava às operações interestaduais.
O julgamento do RE nº 240.785 foi suspenso por 180 dias, prazo esse renovado por mais três vezes, sem que a Corte decidisse sobre a ADECON.
Foi então completado o julgamento daquele Recurso Extraordinário, quando sintomaticamente já não vigorava o inciso I do § 2º do art. 3º da Lei nº 9.718/98 que estava atrapalhando a tese da exclusão.
Logo, seguiu-se o julgamento do RE nº 574.706, relatado pela Ministra Cármen Lúcia sob a égide de repercussão geral proclamando, por maioria de votos, a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS que ensejou as exclusões em cadeia: exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB; exclusão dos valores do PIS/COFINS da sua própria base de cálculo; e recentemente, já está caminhando para a exclusão do ISS do PIS/COFINS, o que redundará em um impacto de R$ 35,4 bilhões aos cofres da União.
Por ter adotado argumentos extrajurídicos, o STF não conseguiu eleger um critério jurídico objetivo: inclui-se n’um caso e exclui-se n’outro caso de forma aleatória.
A negativa do STF quanto à exclusão da CSLL da base de cálculo do IRPJ, que tem por pressuposto o acréscimo patrimonial, não encontra explicação na lógica. Como uma despesa pode compor a base de cálculo de um imposto que tem como fato gerador um acréscimo patrimonial? A incoerência do STF salta aos olhos!
O que é pior, essas indevidas exclusões da base de cálculo está causando nova sangria aos cofres da União, por meio de intermináveis repetições de indébitos.
Em outras palavras, os empresários que repassaram integralmente os valores dos tributos ao consumidor estão recebendo de volta com juros e correção monetária, por conta do escamoteamento do art. 166 do CTN que exige a prova de que se suportou o encargo financeiro do tributo, na repetição de tributos indiretos.
Esse fenômeno, antes de situar-se no plano técnico-jurídico, insere-se no campo pré-jurídico, isto é, no plano da legitimidade e da moralidade que precedem o plano da legalidade.
E assim a escalada de tributos não terá fim. Quanto mais se amplia o leque de exclusões de tributos da base de cálculo de outros tributos, mais e mais aumenta-se a carga tributária, porque o poder público não tem máquina de produzir riquezas, mas apenas os mecanismos de elevar os tributos.
Só para ficar nos exemplos mais recentes citemos o aumento do IOF pelo Decreto nº 12.467, de 23-5-2025 e a tributação de aplicações financeiras, de aplicações virtuais e de dividendos pela MP nº 1.303 de 11-6-2025.
Quanto maior a desoneração tributária ou esvaziamento da sua base de cálculo, maior será a elevação da carga tributária. É a lógica!
Se aplicada as legislações tributárias como elaboradas pelo legislador, bem como se observado o princípio da universalidade do tributo não estaria havendo essa incessante escalada de tributos. O ativismo judicial é um dos responsáveis pelo aumento tributário a cada 37 dias a partir de janeiro de 2023.
SP, 24-6-2025.
- Texto publicado no Migalhas, edição nº 6.126, de 24-6-2025.
- Sobre o Autor Kiyoshi Harada
- Com mais de 50 anos de experiência, dr. Kiyoshi Harada é um dos nomes mais conceituados em Direito Tributário e Direito Financeiro na América Latina. É autor de inúmeras obras jurídicas e professor de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro em diversas instituições de ensino superior. Especialista em Direito Tributário e Ciência das Finanças, é Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas e ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
- Bacharel em Direito pela FADUSP, em 1967
- Especialista em Direito Tributário pela FADUSP, em 1968
- Especialista em Ciência das Finanças, pela FADUSP, em 1969
- Mestre em Direito pela UNIP em 2000
- Professor de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro em diversas instituições de ensino superior
- Autor de 43 obras jurídicas e de mais de 750 artigos e monografias; co-autor em 58 obras coletivas jurídicas e não-jurídicas
- Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo
- Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas
- Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário (Ibedaft)
- Recebeu a Ordem do Sol Nascente com Raios de Ouro com Laço em 2020, condecoração do governo japonês; e em 2023 um prêmio internacional pela carreira da Rede Internacional de Excelência Jurídica Barnes & Noble.
- Uma de suas obras atuais é Direito Financeiro e Tributário, 34ª edição (abril de 2025), que aborda legislação recente como a LC 135/2024, 210/2024 e 214/2025, entre outras, com análise prática e objetiva para operadores do direito