
Atrito institucional seguirá após ação do golpe, preveem juristas
Conflitos do STF com o Congresso devem continuar acirrados
Da Redação – São Paulo TV, com informações do Estadão
A conclusão do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela tentativa de golpe de Estado não deve encerrar o protagonismo político do Supremo Tribunal Federal (STF). Juristas avaliam que a Corte seguirá no centro das disputas institucionais, seja pelas investigações que ainda miram Bolsonaro e aliados, seja pela reação do Congresso, onde avançam projetos como a PEC da Blindagem e a proposta de anistia do 8 de Janeiro.
Segundo o professor Diego Werneck, do Insper, o ideal seria que o julgamento marcasse o fim de um ciclo, “com o Supremo dando um passo atrás”. No entanto, a quantidade de investigações em curso indica que o STF continuará protagonista, inaugurando uma nova fase de embates com Legislativo e Executivo.
O cenário jurídico-político
Bolsonaro é réu acusado de articular um golpe para reverter o resultado da eleição de 2022. A Primeira Turma do STF retoma nesta terça-feira (9) os votos dos ministros, com expectativa de sentença até sexta. Além deste processo, o ex-presidente responde a pelo menos oito frentes sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, incluindo o inquérito das milícias digitais, o caso das joias e a suspeita de coação ligada à própria ação penal do golpe.
Para o pesquisador Luiz Gomes Esteves, da USP, o julgamento funciona como “gatilho” para a reação do Congresso. Ele lembra que já tramitam medidas que interessam diretamente à classe política, como a alteração na Lei da Ficha Limpa, que reduziu o tempo de inelegibilidade para condenados. “O julgamento de Bolsonaro é o gatilho, mas o que está em jogo são mudanças que interessam ao conjunto do Congresso”, afirmou.
Congresso em movimento
Na Câmara, lideranças do PL articulam a anistia geral. O líder Sóstenes Cavalcante (RJ) defende a medida como forma de “pacificar o País”. O deputado Zucco (PL-RS), líder da oposição, reforça a pressão para que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), leve a proposta ao plenário.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), também entrou em campo, reunindo-se em Brasília com Motta, Ciro Nogueira (PP) e Marcos Pereira (Republicanos), além de encontros em São Paulo com aliados políticos e líderes religiosos. A movimentação sinaliza que não haverá trégua na relação entre STF e Congresso.
Tensão permanente
A professora da ESPM-SP e pesquisadora da USP, Ana Laura Barbosa, avalia que o julgamento tende a intensificar, e não reduzir, a tensão. “As discussões sobre anistia e projetos que limitam o poder dos ministros indicam que o Legislativo aposta no confronto. O julgamento de Bolsonaro não diminui a tensão e pode, ao contrário, impulsioná-la.”
Os especialistas destacam ainda que a própria atuação do STF, marcada por decisões monocráticas, alimenta a percepção de atrito com o Congresso. Zucco critica o poder individual de ministros: “Não é razoável que um único magistrado derrube decisões tomadas por centenas de parlamentares eleitos”.
Olhar para 2026
A disputa já se projeta para a eleição de 2026. O objetivo de partidos de oposição é conquistar maioria no Senado, Casa responsável por processos de impeachment contra ministros do Supremo e pela aprovação de novos indicados à Corte.
Para o cientista político Leandro Consentino (Insper), há hoje “chances reais de impeachment de um ministro” em caso de mudança no equilíbrio político do Senado. Ele alerta que, se o próximo presidente repetir a postura de confronto institucional de Bolsonaro, o choque com o STF será inevitável.
Quadro-Resumo – As 8 frentes de investigação contra Jair Bolsonaro no STF
- Ação penal do golpe
Processo em andamento na Primeira Turma, no qual Bolsonaro é acusado de liderar uma trama golpista para reverter o resultado da eleição de 2022. - Milícias digitais
Inquérito que apura a atuação de redes organizadas de desinformação e ataques virtuais contra instituições, nas quais Bolsonaro teria participação ou incentivo. - Caso das joias sauditas
Investiga a entrada irregular no Brasil de joias recebidas por Bolsonaro em viagens oficiais, sem registro como patrimônio da União. - Coação à ação penal do golpe
Apura suposta tentativa de Bolsonaro e de seu filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de intimidar testemunhas e influenciar o andamento do processo sobre a trama golpista. - Atos antidemocráticos de 8 de janeiro
Embora não seja réu direto neste processo, Bolsonaro é investigado por estimular os protestos que culminaram na invasão das sedes dos Três Poderes. - Uso da máquina pública em campanha
Inquérito sobre a utilização de estrutura oficial do governo para promover a candidatura à reeleição em 2022. - Suspeita de desvio em emendas parlamentares
Processo sob relatoria de Moraes que investiga suposto envolvimento de Bolsonaro em esquema de direcionamento de emendas do orçamento secreto. - Fake news sobre vacinas e urnas eletrônicas
Inquérito que apura declarações públicas de Bolsonaro colocando em dúvida a eficácia da vacinação contra a Covid-19 e a segurança do sistema eletrônico de votação.
Em síntese: o julgamento de Bolsonaro não representa o fim de um ciclo, mas a abertura de uma nova etapa de instabilidade política no País, com o Supremo consolidado como ator central do embate entre os Poderes.