
Eles sentem, sofrem e amam: por que ainda tratamos animais como objetos?
Artigo Por Aline Teixeira
Você já percebeu como a presença de um animal pode transformar uma vida inteira? Um cachorro que espera ansioso a chegada do dono depois de um dia difícil. Um gato que se deita silencioso no colo de alguém em meio a uma crise de ansiedade. Uma criança que aprende empatia ao dar água e comida a um passarinho resgatado. São gestos simples, mas que carregam um significado profundo: os animais nos ensinam, todos os dias, que a vida só faz sentido quando compartilhada, quando cuidada, quando respeitada.

E, no entanto, ainda convivemos com contradições dolorosas. O Brasil, país que ostenta a maior biodiversidade do planeta, ainda trata juridicamente os animais como “bens móveis”. Em nossa legislação, eles não são sujeitos de direitos plenos, mas coisas. Mas também é verdade que tivemos avanços importantes: a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, estabelece que é dever do Estado e da sociedade proteger a fauna e a flora, proibindo práticas que submetam os animais à crueldade. A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) criminaliza atos de abuso, maus-tratos, ferimentos e mutilações, seja contra animais silvestres, domésticos ou domesticados. Já a Lei Sansão (Lei nº 14.064/2020) aumentou a pena para quem maltratar cães e gatos, podendo chegar a 5 anos de reclusão. Além disso, o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos dos Animais (UNESCO, 1978), marco ético que reconhece o valor de toda vida. Mais recentemente, o Decreto nº 11.349/2023 criou no Ministério do Meio Ambiente a Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais, com um departamento específico para a proteção e defesa animal.

Ainda assim, a realidade é dura: animais continuam sendo abandonados, violentados, tratados como descartáveis. A fiscalização é falha, a punição muitas vezes não chega, e a mentalidade cultural de que “animal não sente” ainda persiste. Como podemos falar em humanidade se fechamos os olhos diante da dor dos mais indefesos? O cotidiano nos mostra a verdade: animais sentem, amam, sofrem, criam vínculos. Eles choram, eles esperam, eles se alegram. Eles não pedem luxo, apenas respeito. Não pedem privilégios, apenas dignidade. Sua presença vai além do afeto — é social, é de saúde pública, é de justiça. Em um tempo marcado pelo aumento da depressão e da solidão, os animais se tornam aliados silenciosos contra a dor. Quantas pessoas não dizem que “foram salvas” pelo carinho de um cão ou gato? Quantas não encontram motivação para levantar da cama porque sabem que há uma vida que depende delas? Esse vínculo, hoje reconhecido pela ciência, mostra que cuidar de um animal é também cuidar de si mesmo. Mas não podemos esquecer que a questão vai além dos lares. O abandono, os maus-tratos e a destruição ambiental estão ligados por um mesmo fio. Quando desmatamos florestas e expulsamos animais silvestres de seus habitats, não é apenas a fauna que sofre — é todo o ecossistema que se desequilibra. A perda de espécies compromete a polinização, o equilíbrio do clima, a pureza da água. Matar a fauna é também matar a esperança de futuro.
E aqui está o ponto central: justiça social não pode existir se continuarmos a olhar os animais como objetos. Uma sociedade que se acostuma com o sofrimento de seres indefesos se acostuma também com a indiferença diante da dor humana. Quem normaliza a crueldade contra animais, normaliza a crueldade contra pessoas. O que existe é uma cultura da indiferença que, se não for enfrentada, se espalha em todas as direções.
Precisamos de coragem para mudar esse paradigma. O Código Civil deve ser atualizado para reconhecer os animais como sujeitos de direito. A legislação deve se estender a todas as espécies, e não apenas às domésticas. A fiscalização precisa ser real, com processos ágeis e punições exemplares. E, acima de tudo, precisamos investir em educação — para que nossas crianças cresçam entendendo que todos os seres vivos merecem dignidade.
Proteger os animais não é apenas um ato de compaixão — é um compromisso com a civilização. Quando cuidamos de um cachorro de rua, quando apoiamos uma ONG de resgate, quando denunciamos maus-tratos, não estamos apenas ajudando aquele animal específico. Estamos construindo um país mais humano. Um país onde a empatia não seja exceção, mas regra.
E se alguém ainda se pergunta “por que isso importa?”, a resposta é simples e imensa: porque nós não estamos sozinhos neste mundo. Porque cada vida tem valor. Porque nenhuma civilização será justa se permitir que o sofrimento seja invisível.
Os animais não falam a nossa língua, mas falam a língua universal da vida. Dizem com os olhos o que muitos de nós esquecemos: o direito de existir com dignidade é inegociável. Reconhecer isso é mais do que uma questão legal. É um ato de humanidade. É o legado que precisamos deixar para as próximas gerações.
Aline Teixeira, médica veterinária e estudante de Psicologia, que tem se dedicado a analisar, com sensibilidade e rigor científico, a dimensão desse sofrimento.
Apresentadora do Por Todas Nós
