
Deepfakes, “sharenting” e games online: quando imagens e conversas viram arma nas mãos erradas
Da Redação – São Paulo TV Broadcasting
A rotina de postar fotos dos filhos nas redes sociais, para muitos pais um gesto de afeto e orgulho, ganhou uma dimensão perigosa na era da inteligência artificial. Ferramentas de deepfake e aplicativos de “nudificação” estão transformando imagens aparentemente inofensivas em conteúdo sexual falso, com risco devastador para a privacidade, a integridade e o futuro das crianças e adolescentes.
O fenômeno conhecido como sharenting — junção das palavras em inglês share (compartilhar) e parenting (criar filhos) — é hoje uma prática global. Nos Estados Unidos, 92% das crianças de até dois anos já têm algum tipo de presença digital. Na Austrália, 90% dos pais admitem compartilhar regularmente fotos dos filhos, enquanto em países como Espanha e República Tcheca o índice chega a 80%.
Uma ameaça em escala industrial
Dados da Internet Watch Foundation (IWF) revelam que, em apenas um mês, mais de 20 mil imagens geradas por IA foram encontradas em um fórum da dark web voltado ao abuso sexual infantil — mais de 3 mil eram explicitamente criminosas. O que antes demandava conhecimento técnico e ferramentas sofisticadas, hoje está disponível a qualquer pessoa com um smartphone e poucos minutos de acesso à internet.
Segundo levantamento do The Times, aplicativos que criam nudes falsos chegam a 24 milhões de usuários mensais no mundo. Mais alarmante: 20% das escolas britânicas relatam que crianças a partir de 8 anos já acessaram ou compartilharam esse tipo de conteúdo.
A pesquisa da Children’s Commissioner do Reino Unido reforça o impacto: 26% das adolescentes entrevistadas já viram deepfakes sexuais explícitos de outras meninas. Muitas relataram evitar postar fotos por medo de serem alvo.
Alerta também para os jovens gamers
Não são apenas as redes sociais que expõem riscos. Plataformas de jogos online — muitas vezes com chats de voz e vídeo — tornaram-se canais para criminosos coletarem informações, conquistarem a confiança de jovens e, em casos extremos, solicitarem imagens.
- Um levantamento da Thorn mostrou que 1 em cada 7 adolescentes já recebeu pedidos de fotos íntimas enquanto jogava online.
- O ambiente de jogos, por ser interativo e competitivo, cria vínculos rápidos com desconhecidos, facilitando abordagens disfarçadas de amizade.
- Criminosos podem capturar imagens diretamente de webcams, fazer capturas de tela ou até manipular perfis para obter fotos pessoais que depois alimentam ferramentas de deepfake.
A especialista Sarah Gardner, da Heat Initiative, alerta: “No mundo virtual, não existe anonimato real. Tudo o que você fala ou mostra pode ser gravado e usado contra você”.
A geração que já vive o problema
Relatório da Thorn indica que 1 em cada 10 crianças de 9 a 17 anos conhece colegas que criaram imagens íntimas com IA. Além disso, 25% consideram o sexting ‘normal’ e 13% já enviaram nudes — números que revelam a naturalização da exposição sexual entre jovens e a urgência de uma reação social e legal.
A Deutsche Telekom alerta que, até 2030, dois terços dos casos de fraude de identidade poderão ter origem no sharenting ou na exposição excessiva em plataformas online, incluindo jogos, já que dados como datas de nascimento, nomes de familiares e hábitos diários podem ser extraídos de conversas e fotos.
Legislação insuficiente e corrida contra o tempo
Nos Estados Unidos, o Take It Down Act tornou crime federal a publicação de nudes falsos sem consentimento, incluindo imagens geradas por IA. Mas a lei não proíbe a existência dos aplicativos de criação de nudes, muitos sediados no exterior e fora do alcance direto das autoridades.
Empresas como Meta, Google, Microsoft e grandes plataformas de games têm adotado medidas para identificar e bloquear conteúdo nocivo, mas especialistas alertam: a velocidade com que essas tecnologias se espalham é maior que a capacidade de fiscalização.
Como se proteger — pais e jovens
- Evite publicar fotos de crianças e adolescentes nas redes.
- Nunca ative a câmera em jogos online sem necessidade.
- Não envie fotos pessoais para pessoas conhecidas apenas no ambiente virtual.
- Use configurações de privacidade e denuncie comportamentos suspeitos.
- Pais devem acompanhar não apenas redes sociais, mas também o histórico e os contatos em plataformas de jogos.
Proteger a imagem e a identidade das crianças e jovens não é apenas uma responsabilidade dos pais: é também uma escolha consciente dos próprios adolescentes, que precisam entender que o que é postado ou dito no mundo digital pode ganhar proporções incontroláveis.