
Brasil tem 64 facções presentes nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal
Da redação da São Paulo Tv jornalista Bene Correa com informações de O Globo
O Brasil tem hoje 64 facções espalhadas pelas 27 unidades da federação, com menor ou maior tamanho e influência sobre a sociedade.
Os números têm como base dados coletados nas secretarias de Segurança Pública, Administração Penitenciária e Ministérios Públicos de todos os estados, pelo jornal O Globo que permitiram mapeamento das organizações criminosas presentes em todo o território nacional.
Mapas das principais facções criminosas em cada estado do território brasileiro. Siglas: PCC: Primeiro Comando da Capital CV: Comando Vermelho FDN: Família do Norte ADA: Amigo dos Amigos PGC: Primeiro Grupo Catarinense GDE: Guardiões do Estado. TCP: Terceiro Comando Puro.
A facção Primeiro Comando da Capital (PCC) começou a mostrar as garras no início da década de 90. E nos anos seguintes, o país viu surgiu dezenas de dominações criminosas menores, algumas até “nasceram” para impedir a entrada do grupo paulista em outros Estados.
Atuação dentro dos presídios
Em fevereiro de 2001, o PCC tomou, por celular, o controle de dezenas presídios em apenas meia hora, fazendo refém mais de cinco mil pessoas.
Tinha início a maior rebelião da história do país e os responsáveis pela segurança do estado de São Paulo, que até então negavam a organização e força da facção nas penitenciárias paulistas, não tinham mais como negar a extensão e poder do crime organizado.
Controlada a rebelião, o governo paulista tentou dar um xeque-mate no PCC, mas acabou dando mais força ainda quando decidiu transferir as lideranças para unidades penitenciárias de outros estados.
A movimentação errada da peça no jogo de xadrez acabou disseminando a organização criminosa por todo o Brasil, com o batizado de novos integrantes em todo o país, em troca de proteção.
Durante a pesquisa, ficou evidente a dificuldade de enumerar todas as facções criminosas, já algumas organizações têm regime exclusivo “intramuros”, como é o caso do Povo de Israel (PVI), que atua em prisões do Rio de Janeiro.
Apesar das dificuldades para estudar o tema, acadêmicos acreditam que existe uma tendência de “faccionalização” no Brasil, segundo o professor de Ciência Política da Universidade de Chicago Benjamin Lessing. E parte deste processo continua sendo reflexo da expansão do PCC.
Novos territórios e reação ao PCC
A partir de 2010, a ampliação territorial passou a ser uma estratégia de negócios para o grupo paulista. Em São Paulo, criminosos de fora faziam uma espécie de estágio para aprender a transformar pasta base em cocaína e lucrar mais.
O grupo chegou a financiar núcleos de outros estados, mandando armas e drogas, e a ensinar o funcionamento das extintas rifas, fonte importante de arrecadação.
A intenção não era dominar o território, mas estar presente em locais interessantes do ponto de vista logístico para o tráfico internacional.
Muitas das facções que emergiram no Nordeste e Norte surgiram como uma reação à chegada dos paulistas. Foi o caso dos Guardiões do Estado (GDE), no Ceará, e da Família do Norte, no Amazonas, que já é considerada extinta pelas autoridades.
“ O avanço do PCC deu impulso à criação de facções locais, que representam o crime daquele lugar, se defendendo do “imperialismo” do PCC”, explica Lessing.
Inspirando rivais
Apesar do ódio nutrido contra o grupo paulista, as facções locais acabaram se inspirando justamente nela para adotarem um novo modelo de organização: criaram “estatutos” e simbologias próprias.
Isso foi precisamente o que ocorreu no caso do Sindicato do Crime, do Rio Grande do Norte, que surgiu como dissidência do PCC no estado.
Com a organização destes criminosos, cidades que antes contavam apenas com bandos pequenos de criminosos agora registram o surgimento de grandes grupos e estruturados, que passam a controlar bairros inteiros e a criar regras não só para seus membros, mas também para moradores das comunidades que ocupam. Lessing chama esse fenômeno de “governança criminal”.
“As regras são extremamente variáveis para cada comunidade, às vezes até para a mesma facção. Mas o mandamento primário é sempre não falar com a polícia. Outras normas comuns são a de não roubar na comunidade e a de punir a violência sexual”, diz o professor.
E se duas facções estão em guerra, as normas podem ficar ainda mais rígidas.
Na capital cearense, que entre 2024 e 2025 registrou intensos conflitos armados entre grupos rivais, moradores tinham de mostrar o WhatsApp aos soldados das facções para comprovar com quem estavam e se passavam informações para o oponente, sob o risco de serem torturados ou mortos.
Comando Vermelho
Enquanto o PCC tem uma estrutura hierárquica definida, marcada por cargos com funções específicas, o Comando Vermelho adotou um modelo mais flexível para se expandir, segundo os pesquisadores.
A facção paulista apostou na disciplina para estabelecer um modelo de negócios em escala nacional. Já o CV ofereceu uma opção mais fluida para a formação de alianças locais.
O Comando Vermelho foi fundado no Rio de Janeiro no fim da década de 1970. Assim como o PCC, veio do interior das prisões, como uma forma de organização dos detentos, que exigiam melhores condições para a vida dentro das grades.
O coordenador do Grupo de Estudo dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF), Daniel Hirata, conta que um dos fundadores do CV, William da Silva Lima, o Professor, escreveu que a facção não era uma organização, mas uma “maneira de sobreviver na adversidade”.
O grupo, inicialmente formado por ladrões de banco, transformou-se após a ascensão da cocaína no mercado internacional, nos anos 1980, e migrou para o narcotráfico.
Numa tentativa de estruturar a venda de drogas no Rio de Janeiro, os criminosos passaram a dominar os territórios das comunidades, criando a figura do “dono de morro”.
“Há décadas trabalhos acadêmicos caracterizam o Comando Vermelho como uma aliança entre donos de morro. Dentro de cada morro tem uma estrutura e, no topo, o dono, que estabelece relações com outros donos de morros”, explica Hirata.
Além disso, cada autoridade local tem autonomia para gerir o território da forma como bem entender. Unidos, eles formam a cúpula da hierarquia no CV. Com a expansão gradual das atividades para outros estados, o modelo se manteve, como se fossem “franquias”.
“Quando o CV chega a outros estados, outros líderes são incorporados a essa estrutura, como donos de morros, no caso, “donos” de estados inteiros. Algumas facções regionais preferiram atuar em associação com o CV para preservar as estruturas que já tinham antes da chegada da facção”, conta o pesquisador.
Origem do PCC
O PCC foi formado em 31 de agosto de 1993, na Casa de Custódia de Taubaté, conhecida como Piranhão, com o discurso de combater a opressão no sistema prisional e evitar novos massacres como o do Carandiru, ocorrido um ano antes.
Foram oito os fundadores originais: entre eles, Mizael Aparecido da Silva, criador do primeiro estatuto da organização; Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, seu primeiro chefe; César Augusto Roriz da Silva, o Cesinha, famoso por mandar decapitar seus rivais; e José Márcio Felício, o Geleião, inventor da sigla PCC.
Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, que mais tarde tomaria o controle do grupo, não estava na primeira composição da cúpula.
Status de máfia
O PCC conta com cerca de 40 mil membros, marca presença em 28 países, e fatura hoje algo em torno de US$ 1 bilhão por ano.
O promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, diz que a facção já pode ser considerada uma organização mafiosa, aos moldes das italianas.
Depois de já ter atuação transnacional, hierarquia piramidal e infiltração nos poderes do Estados, o PCC deu o último passo para ganhar status de máfia quando criou uma estrutura de lavagem de dinheiro robusta, por volta de 2010.
Antes daquele ano, o grupo literalmente enterrava dinheiro, guardando-o nas chamadas casas-cofre.
Hoje, a facção lava dinheiro com postos de gasolina, imóveis, agências de automóveis, fintechs, empresas de ônibus, igrejas, empresas de apostas, negócios ligados ao futebol e até ONGs.
“Já participei de algumas reuniões em conselho de grandes empresas e bancos, porque há uma preocupação com a entrada do PCC na economia formal. Executivos têm procurado analistas para fazer uma análise de risco do mercado ou da região em que ele pretende se estabelecer, porque existe um custo em função da presença do crime organizado” afirma.
Gakiya defende uma legislação apropriada para combater máfias no Brasil.
Legislação para combater Orcrim
Um grupo de trabalho no Ministério da Justiça e Segurança Pública está elaborando um projeto de lei que cria uma classificação especial para organizações de tipo mafioso no país.
Entre os principais objetivos da Lei Antimáfia, como está sendo chamada, está:
- Aumento de pena para lideranças de grandes facções
- Tratamento mais eficiente ao dinheiro e ao patrimônio apreendido
- Criação de uma agência exclusiva para enfrentar esses crimes
CVV ainda não é máfia
“Não classifico o CV como organização mafiosa, ainda, mas ele pode vir a se tornar no futuro. Assim como as milícias. Nesse sentido, precisamos de uma legislação que acolha esse novo fenômeno: uma organização diferente da que existia 30 anos atrás. É importante ter mais ferramentas, principalmente do ponto de vista de confisco, de sequestro, de cumprimento de pena para aqueles líderes”, explica Lincoln Gakiya.