
STF: segundo dia de julgamento expõe estratégias defensivas e fragilidades da narrativa dos réus
Brasília – 4 de setembro de 2025 | Reportagem especial da São Paulo TV Brasília – Jornalista Bene Correa
O segundo dia do julgamento da chamada “trama golpista” na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) ficou marcado pela intensidade dos argumentos das defesas e pelo esforço de reposicionar a imagem dos réus diante da opinião pública e dos ministros. Depois do impacto das falas do relator Alexandre de Moraes e do Procurador-Geral da República Paulo Gonet, na véspera, o dia foi inteiramente dedicado às sustentações orais de advogados de quatro integrantes do núcleo central da denúncia: Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Mais do que uma disputa técnica, a sessão revelou os caminhos jurídicos e políticos que cada defesa pretende adotar para tentar evitar condenações que podem transformar esse processo em divisor de águas da democracia brasileira.

Augusto Heleno: o general que tenta se apartar da trama
A defesa do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, procurou insistentemente dissociá-lo da narrativa central da acusação. O advogado Matheus Milanez sustentou que Heleno tinha “pauta própria” e não integrava o núcleo de decisão da tentativa de golpe.
O eixo de sua estratégia, contudo, foi atacar diretamente a forma como o processo foi conduzido: Milanez questionou o relator Alexandre de Moraes por ter formulado mais de 300 perguntas no interrogatório, insinuando parcialidade e “excesso inquisitivo”.
Análise crítica:
A defesa buscou abrir brechas procedimentais, mirando a credibilidade da condução processual. No entanto, ao insistir na tese de afastamento, pouco se dedicou a rebater o conteúdo das provas. O discurso se apoiou mais em contestação de forma do que em explicações de fundo. Isso pode agradar parte da opinião pública alinhada a Heleno, mas dificilmente sensibilizará ministros acostumados a filtrar alegações de cerceamento.
Jair Bolsonaro: entre a ausência de provas e a narrativa política
A sustentação da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro foi a mais aguardada do dia. Os advogados Celso Vilardi e Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno procuraram construir a imagem de um chefe de Estado que teria sido “arrastado” ao processo sem provas consistentes.
Foram três pilares centrais:
- Ausência de provas materiais ligando Bolsonaro ao planejamento de golpe;
- Desqualificação da delação de Mauro Cid, classificada como “contraditória e não confiável”;
- Construção de narrativa histórica, comparando o processo a injustiças célebres, como o caso Dreyfus, sugerindo que Bolsonaro seria vítima de perseguição.
“Não se pode punir um presidente por ideias ou reuniões preliminares… houve transição de governo pacífica, determinada pelo próprio Bolsonaro”, destacou Vilardi.
Análise crítica:
A estratégia foi abrangente, misturando fundamentos técnicos com apelo político. Ao atacar frontalmente a delação de Mauro Cid, a defesa aposta em minar a principal peça acusatória. Contudo, o paralelo com Dreyfus e a insistência em enquadrar Bolsonaro como perseguido político revelam a tentativa de dialogar tanto com os ministros quanto com a plateia externa — seus eleitores. O desafio será convencer a Corte de que uma “minuta de golpe” e reuniões ministeriais não passam de especulações impuníveis.

Paulo Sérgio Nogueira: de acusado a moderador
A defesa do ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, adotou uma linha singular. O advogado Andrew Fernandes Farias argumentou que o militar teria atuado como “freio” a possíveis medidas extremas de Bolsonaro.
Segundo a defesa, Nogueira tentou “demover o presidente de propostas radicais”, incluindo a retirada de manifestantes de frente de quartéis e a inibição de grupos que clamavam por intervenção militar.
Análise crítica:
Essa é a estratégia mais ousada: transformar o réu em espécie de guardião institucional dentro de um governo em convulsão. Se bem-sucedida, pode reduzir sua culpabilidade, mas carrega um risco: admitir que o golpe estava em pauta e que havia pressão real vinda de Bolsonaro. Em vez de negar a trama, a defesa admite sua existência — apenas desloca o papel de Nogueira para “resistente”.
Walter Braga Netto: contra a delação como espinha dorsal da acusação
A defesa do general da reserva Walter Braga Netto, preso desde dezembro, foi conduzida por José Luis de Oliveira Lima. O foco foi desqualificar a delação premiada de Mauro Cid, sustentando que o depoimento teria sido obtido sob coação e apresentava inconsistências.
“Não há prova concreta contra Braga Netto. O que existe é apenas uma narrativa delatada. Isso não pode ser a base de uma condenação histórica”, disse o advogado.
Análise crítica:
O ataque à delação é estratégico: se a Corte considerar o depoimento de Cid frágil, todo o edifício acusatório pode ser abalado. Mas a insistência exclusiva nesse ponto demonstra fragilidade. Braga Netto é acusado de tentar obstruir investigações sobre a própria delação — fato que, por si, pesa contra a sua credibilidade. A defesa tenta transformar a dúvida em escudo, mas enfrenta evidências robustas de participação.
Quadro comparativo das defesas
Réu | Estratégia central | Análise crítica |
---|---|---|
Augusto Heleno | Distanciar-se da trama + questionar imparcialidade | Foco na forma, não no conteúdo; narrativa defensiva frágil |
Jair Bolsonaro | Negar provas, atacar delação e adotar narrativa política | Defesa mais ampla, mas arriscada; mira ministros e eleitores |
Paulo Sérgio | Reposicionar como moderador | Tese ousada: admite trama, mas troca papel de cúmplice por “freio” |
Braga Netto | Desqualificar delação de Cid | Estratégia direta, mas dependente da fragilidade da delação |
Análise final
O segundo dia do julgamento escancarou um tabuleiro de narrativas. As defesas caminharam em direções diferentes: algumas tentaram negar a própria existência da trama, outras buscaram reposicionar seus clientes como meros espectadores ou até moderadores.
Do ponto de vista jurídico, a Corte terá de responder a três perguntas centrais:
- Até que ponto a delação de Mauro Cid é confiável como espinha dorsal da acusação?
- É possível caracterizar reuniões, minutas e planos discutidos como “atos executórios” de um golpe?
- O STF deve punir preparativos golpistas como crime consumado, reforçando a ideia de “defesa ativa da democracia”?
Seja qual for a resposta, a sessão mostrou que este julgamento já extrapola o campo penal. Ele se consolidou como um debate sobre os limites da democracia brasileira e o papel das instituições em momentos de crise.