
Base de cálculo do IPTU*
Artigo Jurista Kiyoshi Harada
A Emenda Constitucional nº 132/2023 que procedeu a reforma tributária parcial fundada na reunião e quatro tributos incidentes sobre o consumo (IPI, ICM, ISS e contribuições sociais) acrescentou o inciso III ao § 1º do art. 156 da CF nos seguintes termos:
“III – ter sua base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo, conforme critérios estabelecidos em lei municipal”.
Ora, o art. 146, III, letra a da CF colocou sob reserva de lei complementar a definição da base de cálculo do IPTU.
E o inciso IV do art. 97 do Código Tributário Nacional submeteu a definição da base de cálculo do IPTU ao princípio da estrita legalidade:
“Art. 97. Somente a lei poderá estabelecer
[….]
IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65”
As ressalvas aí previstas dizem respeito ao imposto de importação, ao imposto de exportação, ao IOF e a fixação de alíquota máxima do ITCMD por Resolução do Senado Federal. O art. 57 supra referido perdeu vigência com o advento do Decreto lei nº 406/1968, hoje, substituído pela LC nº 116/2003.
Qualquer que venha ser o critério adotado pela lei municipal não muda o fato de que o Decreto não é o instrumento normativo adequado para aumentar a base de cálculo do IPTU, por não comportar delegação legislativa nessa matéria.
Essa prática de os municípios alterar a base de cálculo por decreto vem sendo combatido de longa data pelo STJ que chegou a editar a súmula 160, conforme ementa abaixo:
“TRIBUTÁRIO. IPTU. MAJORAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO POR MEIO DE DECRETO MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 160/STJ.
1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, a majoração da base de cálculo do IPTU depende da elaboração de lei, não podendo um simples decreto atualizar o valor venal dos imóveis sobre os quais incide tal imposto com base em uma planta de valores, salvo no caso de simples correção monetária.
2. Não há que se confundir a simples atualização monetária da base de cálculo do imposto com a majoração da própria base de cálculo. A primeira encontra-se autorizada independentemente de lei, a teor do que preceitua o art. 97, § 2º, do CTN, podendo ser realizada mediante decreto do Poder Executivo; a segunda somente poderá ser realizada por meio de lei.
3. Incidência da Súmula 160/STJ: “é defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp n. 66.849/MG, relator Ministro Humberto Martins, 2ª T., DJe de 14-12-2011).
Consoante o art. 33 do CTN, a base de cálculo do IPTU “é o valor venal do imóvel”.
Muito se tem escrito sobre o conceito de valor venal.
Em termos doutrinários é o valor que o imóvel alcançaria no mercado imobiliário para operação de compra e venda à vista, nas condições normais do mercado, admitindo-se a variação de 10% para mais ou para menos.
Esse conceito doutrinário tem a finalidade de servir de parâmetro ao legislador para proceder o aumento da base de cálculo.
Ele não está referido ao agente fiscal, lançador do IPTU, pois, o lançamento é um ato administrativo vinculado (art. 142 do CTN) descabendo a cogitação de pesquisar o valor de mercado para promover o lançamento do imposto.
No município de São Paulo vigora a Lei nº 10.235/86, conhecida como lei da PGV que fixa os valores unitários do metro quadrado da construção e do terreno considerando a sua localização e o padrão de construção.
Cabe ao lançador do IPTU tão somente enquadrar o imóvel a ser tributado no setor fiscal onde se situa o imóvel e apurar o valor do metro quadrado da construção e do terreno para o encontrar o valor venal que é a base de cálculo do IPTU.
Os espertos governantes municipais buscam aumentar o IPTU de forma enrustida, aumentando a base de cálculo do imposto valendo-se da expressão vaga “valor venal do imóvel” consignado no art. 33 do CTN, uma vez que a elevação da alíquota é transparente, chamando a atenção do contribuinte e da população em geral.
Essa matéria que estava pacificada na jurisprudência de nossos tribunais corre o risco de sua rediscussão em razão da redação dúbia e confusa conferida pela reforma tributária, aprovada de afogadilho por meio da promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 que incursionou nas áreas do IPTU e do ITCMD que nada têm a ver com o imposto de consumo, foco dessa reforma tributária dúbia e confusa.
SP, 15-8-2025.
* Texto publicado no Migalhas, edição nº 6.186, de 16-9-2025.
Reportagem Especial da Direção de Jornalismo da São Paulo TV
São Paulo, 15 de agosto de 2025 – Uma mudança profunda se aproxima do sistema tributário brasileiro: a Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, que promove a reforma tributária mais ampla em três décadas, começa a entrar em vigor. A reforma unifica tributos como ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins em três novos impostos — o federal CBS e os estaduais/municipais IBS — com período de transição previsto até 2032–2033.
Quem é o Dr. Kiyoshi Harada
Com mais de 50 anos de atuação, o Dr. Kiyoshi Harada é referência em Direito Tributário e Financeiro na América Latina. É sócio do Harada Advogados Associados, professor universitário, ex-procurador-chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo e membro de notórias academias jurídicas, além de fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário (IBEDAFT). Autor de diversas obras especializadas, como Comentários à Reforma Tributária aprovada pela EC 132/2023, Harada acumula profundo conhecimento doutrinário e prático sobre o tema.