
Nepal escolhe nova “deusa viva”: menina de 2 anos é entronizada como Kumari em Katmandu
Da Especial Redação da São Paulo Tv Beatriz Ciglioni
Tradição milenar hindu e budista consagra Aryatara Shakya como encarnação da deusa Taleju; isolamento e desafios pós-infância levantam debates sobre fé e direitos humanos
O Nepal viveu nesta semana um dos momentos mais emblemáticos de sua tradição religiosa: a escolha de uma nova Kumari, conhecida como “deusa viva”. A pequena Aryatara Shakya, de apenas 2 anos e 8 meses, foi coroada durante o festival Dashain, a mais importante celebração hindu do país, assumindo o posto de reencarnação da deusa Taleju, reverenciada tanto por hindus quanto por budistas.
A cerimônia, realizada em Katmandu, marcou a substituição da Kumari anterior, hoje com 11 anos, que perdeu o status divino ao atingir a puberdade — momento em que, segundo a tradição, a divindade abandona o corpo da jovem
O que é ser Kumari

A palavra Kumari significa “virgem” ou “princesa” no sânscrito. Trata-se de uma tradição secular, especialmente preservada entre a comunidade Newar do vale de Katmandu, que reconhece nas meninas escolhidas a presença da deusa Taleju.
Para serem selecionadas, as candidatas precisam ter entre 2 e 4 anos, apresentar pele, cabelos e dentes impecáveis e não demonstrar medo do escuro — critério que simboliza coragem precoce.
A Kumari passa a viver no Kumari Ghar, um palácio-templo no coração da capital nepalesa, de onde sai em raríssimas ocasiões, geralmente em festivais e procissões públicas.
A nova deusa Aryatara Shakya

Aryatara foi conduzida por familiares de sua casa até o templo em um cortejo acompanhado por fiéis e autoridades religiosas. Vestida de vermelho, com o tradicional coque no cabelo e o “terceiro olho” pintado na testa, a menina foi entronizada sob forte emoção popular.
“Ontem ela era apenas minha filha, hoje é uma deusa”, declarou seu pai, Ananta Shakya, à imprensa internacional. Ele contou ainda que a mãe da criança teve sonhos durante a gravidez em que pressentia que a menina teria uma missão espiritual especial.
Vida no isolamento
A condição de Kumari traz prestígio à família, mas impõe sacrifícios à infância. A menina passa a viver em isolamento quase absoluto, recebendo visitas restritas e aparecendo em público apenas em datas religiosas.
Nos últimos anos, reformas culturais e pressões de organizações de direitos humanos trouxeram algumas mudanças: hoje, as Kumaris podem receber aulas particulares dentro do palácio e até assistir televisão. Quando deixam o posto, o governo nepalês oferece uma pensão mensal de cerca de US$ 110 como forma de apoio.
Mesmo assim, os desafios permanecem. Muitas ex-Kumaris relatam dificuldades em se adaptar à vida comum, frequentar escolas regulares e até casar-se. Uma crença popular afirma que homens que se unem a ex-Kumaris podem morrer jovens, mito que contribui para que várias permaneçam solteiras.
Tradição em debate
A coroação de Aryatara reacendeu discussões dentro e fora do Nepal. Nas redes sociais, o assunto se tornou pauta mundial: enquanto alguns celebram a continuidade de uma herança cultural considerada única, outros criticam a prática pelo impacto psicológico e social sobre as meninas.
Pesquisadores e defensores da cultura nepalesa defendem que a tradição das Kumaris é um símbolo da identidade nacional, que precisa ser preservada com adaptações às realidades contemporâneas. Já ativistas internacionais de direitos da infância questionam se o isolamento e a falta de liberdade são compatíveis com a proteção integral da criança.
Fé, cultura e futuro
Entre rituais sagrados e críticas modernas, a nova “deusa viva” inicia sua jornada cercada de expectativas. Para a comunidade que a reverencia, Aryatara é um elo entre o divino e o humano; para os observadores externos, é também um reflexo das tensões entre tradição e modernidade.
Enquanto o Nepal busca equilibrar fé, cultura e direitos humanos, a imagem de uma menina de dois anos carregada ao palácio-templo simboliza a força de uma tradição que, mesmo em plena era digital, continua fascinando e dividindo opiniões em todo o mundo.
Da Redação – São Paulo TV Broadcasting
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