
TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA – REDUÇÃO DOS DÉBITOS COM Utilização de prejuízo fiscal e base negativa da CSLL

LUIS CARLOS SZYMONOWICZ Sócio Fundador da SZY Advogados, Presidente da Comissão de Comércio Exterior da OAB/SP e Superintendente de Compliance, Governança e Risco da Funcex
RICARDO JOSÉ PICCIN BERTELL Sócio da área Tributária de SZY Advogados, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP.
De acordo com o Princípio da Competência, toda empresa deve contabilizar suas receitas, custos e despesas, dentro do período em que ocorreram. Após a apuração e a subtração dos custos e despesas da receita tem-se o seu resultado, se positivo, denomina-se lucro ou, se negativo, denomina-se prejuízo.
A constatação do prejuízo fiscal parte do resultado do exercício, depois que foram realizadas todas as adições, exclusões e compensações pertinentes. Uma vez realizados todos os ajustes contábeis, se o resultado apurado apresentar valor negativo, fica evidenciado o prejuízo fiscal e, por consequência, teremos uma base negativa para a CSLL, que deverá ser reservado para futura compensação com os lucros obtidos efetivamente em períodos mais adiante.
É com base nestas informações contábeis que serão calculados o IRPJ e a CSLL, nos termos da legislação tributária em vigor. No entanto, é importante observar que essa compensação está sujeita a limitações estabelecidas pela legislação fiscal, que atualmente é limitada a 30% do lucro líquido, ajustado pelas adições e exclusões.
A legislação pátria permite, também, a utilização do prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL para outra modalidade específica para a extinção do crédito tributário perante o fisco federal e a fazenda nacional, que é a transação tributária.
– DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 156, inciso III, prescreve:
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I – o pagamento;
II – a compensação;
III – a transação;
(…)
E em seu artigo 171 e parágrafo único, determina:
Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.
A fim de regulamentar o instituto da transação na seara tributária, o Governo Federal em outubro de 2019, edita a Medida Provisória nº 899, denominada a “MP do Contribuinte Legal”.
Ato subsequente a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional publica a Portaria nº 11.956, de 27 de novembro de 2019, criando diretrizes ao instituto da transação no âmbito da cobrança da dívida ativa da União.
Em síntese e nos parâmetros editados pela “MP do Contribuinte Legal”, a norma editada pela PGFN buscou definir que a União, pela sua conveniência e oportunidade, poderia celebrar a transação tributária em quaisquer das modalidades previstas no veículo normativo, desde que motivadamente entenda que tal medida atenda aos interesses públicos.
As modalidades dispostas na legislação para fins de transação pelo contribuinte, poderiam ser: a) por proposta individual ou por adesão na cobrança da dívida ativa; b) por adesão nos casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e c) por adesão no contencioso administrativo de baixo valor.
Referida Medida Provisória foi convertida na Lei Federal nº 13.988/2020, com pontuais alterações que não modificaram a essência trazida pela norma editada pelo Poder Executivo. Ato contínuo, a PGFN publicou as medidas que levariam a cabo o instituto da transação no âmbito federal, sendo elas: 1ª) Portaria PGFN nº 9.917, de 14/04/2020, que regulamentou a transação na cobrança da dívida ativa da União; 2ª) Portaria PGFN nº 9.924, de 14/04/2020, que estabeleceu as condições para transação extraordinária na cobrança da dívida ativa da União, e, por fim, 3ª) o Edital nº 3/2020, de 15/04/2020, que prorrogou o prazo de adesão às modalidades de transação do Edital nº 1/2019.
A Lei Federal nº 13.988/2020, na sua gênese, trouxe a autorização à PGFN para pudesse realizar a transação tributária:
“Art. 10. A transação na cobrança da dívida ativa da União, das autarquias e das fundações públicas federais poderá ser proposta, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e pela Procuradoria-Geral Federal, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor, ou pela Procuradoria-Geral da União, em relação aos créditos sob sua responsabilidade.”
Também na concepção da Lei Federal em comento, trazia em seu artigo 11, os benefícios à transação:
Art. 11. A transação poderá contemplar os seguintes benefícios:
I – a concessão de descontos nas multas, nos juros de mora e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme critérios estabelecidos pela autoridade fazendária, nos termos do inciso V do caput do art. 14 desta Lei;
II – o oferecimento de prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento e a moratória; e
III – o oferecimento, a substituição ou a alienação de garantias e de constrições.
É bom frisar que a norma em comento, foi editada no auge da pandemia do coronavírus, a fim de mitigar as nefastas consequências trazidas à economia mundial, fazendo com que, finalmente, o instituto da transação, insculpido no Código Tributário Nacional, fosse regulamentado para fins de extinção do crédito tributário.
Apesar da medida editada pelo Governo possibilitar a transação dos débitos da União Federal, as condições originalmente trazidas pela novel legislação não eram tão atrativas aos contribuintes, fazendo com que houvesse um limitado número de acordos firmados.
A fim de atrair os contribuintes para que saldassem seus débitos, a União Federal foi levada a flexibilizar as normas da transação, tendo como pontos principais o aumento no prazo para quitação dos débitos, a concessão de maiores descontos, a possibilidade de incluir débitos no âmbito da Receita Federal do Brasil e, o mais atraente de todos eles, a possibilidade de utilização do prejuízo fiscal no IRPJ e da base negativa da CSLL, para fins de amortização da dívida.
Somente com o advento da Lei Federal 14.375/2022, que veio alterar a redação da Lei Federal nº 13.988/2020, é que se autorizou a utilização do prejuízo fiscal no IRPJ e da base negativa da CSLL, para fins de amortização da dívida.
“Art. 10. A Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020, passa a vigorar com as seguintes alterações:
(…)
“Art. 10-A. A transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal poderá ser proposta pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor, observada a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.”
“Art.11. ……………………………………………………………………………………………
I – a concessão de descontos nas multas, nos juros e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme critérios estabelecidos pela autoridade competente, nos termos do parágrafo único do art. 14 desta Lei;
………………………………………………………………………………………………………..
IV – a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na apuração do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da CSLL, até o limite de 70% (setenta por cento) do saldo remanescente após a incidência dos descontos, se houver;
As benesses outorgadas pela Lei e que levaram muitos contribuintes a se contentarem com a possibilidade de saldarem com seus débitos, levou um balde de água fria quando, um mês depois da edição da Lei que permitiu a utilização do prejuízo fiscal/base negativa para fins de amortização de débitos tributários, nasce no mundo jurídico a Portaria PGFN 6.757/2022.
A fim de regulamentar as disposições da Lei 14.375/2002, a portaria veio impor condições que não estavam previstas na norma supra, limitando a utilização de prejuízo fiscal e a base negativa somente para os casos em que os débitos fossem classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, ou seja, aqueles débitos: (i) inscritos em dívida ativa há mais de 15 anos e que não possuírem garantia; (ii) estarem com a sua exigibilidade suspensa há mais de 10 anos por decisão judicial; (iii) serem de titularidade de falidos ou de empresas em recuperação judicial.
A PGFN ainda limitou a utilização do prejuízo fiscal/base negativa para fins de amortização de juros e multa, fazendo com que os valores relativos ao principal não pudessem ser amortizados.
O que se verificou com a edição da Portaria PGFN 6.757/2022, foi verdadeira ilegalidade, pois o ato normativo impôs restrições que nunca estiveram presentes em lei, ferindo de pronto o princípio da legalidade e da hierarquia das normas.
Ante o grito dos contribuintes e da classe jurídica, a Procuradoria da Fazenda Nacional houve por bem editar a Portaria PGFN 6.941/2022, em que pese tenha revogado algumas imposições previstas na norma anterior, restabeleceu a possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e da base negativa para fins de amortização do valor principal, entretanto, remanescendo vigentes limitações que não estão presentes na redação original da Lei 14.375/2022.
Verificadas as disposições legais para a utilização do instituto da transação tributária como forma de extinção do débito tributário, bem como, cumpridas as exigências determinadas nas normas que regem o instituto pelo contribuinte, é um dever a Autoridade Administrativa realizar a transação tributária com as amortizações de seu saldo devedor, utilizando-se do prejuízo fiscal e da base negativa, conforme analisamos nessa dissertação.
Assim, conta hoje o contribuinte que tenha débitos federais inscritos em dívida ativa, com uma poderosa ferramenta, complementar à Transação Tributária, onde em função da gradação do risco da empresa (conforme entendimento da PGFN), há a possibilidade de redução de até 65% (sessenta e cinco por cento), do valor total do débito (somando, tributo, juros, multa e encargos), e sobre o saldo remanescente, da utilização do Prejuízo Fiscal acumulado e da base de cálculo negativa da CSSL, para amortizar até 70% deste, com um parcelamento do saldo entre 60 e 120 meses a depender da natureza do débito (previdenciário ou não-previdenciário).
É imperativo a elaboração de um plano/laudo econômico, físico e financeiro pela empresa interessada em auferir tais benefícios, de modo a além de analisar a essência da dívida, sua exigibilidade e certeza, igualmente determinar a possibilidade de adimplemento em termos de valores e fluxo temporal, para o sucesso do pleito da Transação Tributária com todos os benefícios acima mencionados.