
Revolução fiscal no mercado imobiliário redefinindo a tributação de aluguéis pela Lei Complementar nº 214/2025
Dra. Jéssica Guerra
A Lei Complementar nº 214/2025 trouxe profundas mudanças na tributação de
receitas originadas de locação de imóveis, com efeitos diretos sobre proprietários,
investidores e o mercado imobiliário em geral. A legislação introduziu o Imposto
sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS),
marcando uma transformação no modelo tributário brasileiro. Essa inovação busca
simplificar o sistema de arrecadação e modernizar a gestão fiscal, mas os impactos
práticos demandam análise detalhada quanto aos novos tributos, principalmente
para pessoas físicas e jurídicas, e suas implicações na administração de contratos
de locação.
A principal mudança promovida pela lei está na incidência tributária. Para pessoas
físicas, anteriormente, os lucros obtidos com aluguéis eram tributados
exclusivamente pelo Imposto de Renda, o que permitia deduções relativas às
despesas do imóvel. A nova legislação, no entanto, impõe IBS e CBS diretamente
sobre a receita bruta proveniente da locação, sem considerar os custos ou outras
deduções. Essa alteração inaugura uma lógica tributária mais abrangente e
equipara locadores pessoas físicas a locadores pessoas jurídicas no regime
tributário, ampliando as obrigações fiscais.
A equiparação ocorre em dois cenários principais:
primeiro, quando o locador possui mais de três imóveis alugados e a receita
anual da locação ultrapassa R$ 240 mil;
segundo, quando o rendimento mensal dos aluguéis supera R$ 24 mil,
independentemente da quantidade de imóveis.
Esses critérios diferenciam grandes locadores de pequenos contribuintes e
inserem um tratamento tributário semelhante ao aplicável às empresas.
Tradicionalmente, pessoas físicas recolhiam apenas o Imposto de Renda sobre os
lucros em faixas progressivas. Agora, além do Imposto de Renda, são obrigadas a
calcular, recolher e declarar os novos tributos. A complexidade fiscal aumenta
significativamente, especialmente considerando a incidência sobre a receita bruta
antes da dedução de despesas.
Para ilustrar, considera-se o caso do Sr. Mévio, proprietário de cinco imóveis
alugados, cuja receita anual atinge R$ 300 mil. Antes da Lei Complementar nº
214/2025, Mévio era tributado apenas pelo Imposto de Renda, calculado sobre os
lucros obtidos. Com a nova legislação, ele será obrigado a recolher IBS e CBS sobre
toda a receita gerada pela locação, além do Imposto de Renda, o que representa
um aumento substancial na carga tributária.
Situação similar ocorre com Sr. Tício, que possui dois imóveis e recebe R$ 25 mil
mensais em aluguéis. Ainda que tenha menos de três propriedades, sua receita
mensal ultrapassa o limite estipulado pela lei, enquadrando-a nos novos critérios
de tributação.
Por outro lado, Sra. Gertrudes, com três imóveis alugados e receita mensal de R$
15 mil, permanece fora do alcance da nova legislação, estando sujeito apenas ao
Imposto de Renda.
No contexto das pessoas jurídicas, a Lei Complementar nº 214/2025 substitui
tributos como PIS e Cofins pelo IBS e CBS, oferecendo a possibilidade de adesão
a um regime transitório com alíquota reduzida de 3,65% sobre a receita bruta da
locação. Tal regime se aplica exclusivamente a contratos firmados até 16 de
janeiro de 2025 e busca amenizar os impactos imediatos das novas regras
tributárias.
Os contratos elegíveis devem estar formalmente registrados, e a medida inclui
tanto pessoas físicas quanto jurídicas. Esse regime transitório visa assegurar
maior previsibilidade durante a fase de transição para o novo modelo tributário,
permitindo que contribuintes ajustem suas finanças antes da aplicação integral
das novas alíquotas.
No entanto, sua aplicação é temporária, e contratos firmados após a data-limite
passam a ser tributados pelas alíquotas padrão, com impactos mais acentuados
para empresas no setor imobiliário.
Outro aspecto relevante da legislação refere-se à locação de imóveis residenciais
por períodos inferiores a noventa dias, os famosos “Contratos por Temporada”.
Nesses casos, a tributação segue as regras aplicáveis ao setor de hotelaria, com a
incidência dos mesmos tributos e alíquotas, alinhando locações de curta duração
aos serviços de hospedagem tradicionais. Como forma de aliviar essa carga
tributária, a lei prevê um redutor de quarenta por cento nas alíquotas de IBS e CBS
aplicáveis.
Embora esse redutor torne as alíquotas mais leves, ainda representa um aumento
em relação à tributação anterior, que se limitava ao Imposto de Renda sobre os
lucros.
Para ilustrar, imagine o seguinte cenário, Sr. Semprônio, que aluga seu apartamento
por temporada e gera uma receita mensal de R$ 10 mil, pagava apenas o Imposto
de Renda antes da nova lei. Agora, ele será obrigado a recolher IBS e CBS sobre a
receita bruta, mesmo considerando o redutor de quarenta por cento, o que implica
uma tributação total de seis por cento sobre os R$ 10 mil mensais, além do Imposto
de Renda sobre o lucro líquido.
Dra. Jéssica Guerra, especialista em direito imobiliário, legislação urbana e edilícia pela PUC/RJ, ela se destaca como membro da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB de São Paulo.