
Não deixe a inteligência artificial dominar sua competência
Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação
No início, a pessoa pede uma ajuda ao Chat GPT. Nada especial, só uma revisão para ver se não escapou nenhum deslize. O resultado é fantástico! Ele é capaz de pegar aquelas incorreções que ficam incrustadas no meio das frases que podem passar despercebidas. Pronto, já foi fisgada!
Essa parceria se repete algumas vezes. O usuário fica cada vez mais encantado. Nunca imaginou que pudesse contar com um parceiro tão competente. Viciou. Não consegue mais produzir um texto sem pedir ajuda ao “cúmplice”.
Um caminho sem volta
Passado um tempo, o indivíduo resolve desbravar outras possibilidades. Dá algumas diretrizes e pede que desenvolva um texto a partir dessa linha de pensamento. Em cinco segundos tem a resposta. Lê, relê, várias vezes. Como é possível? Está perfeito. Muito melhor do que conseguiria fazer sozinho.
Depois dessa experiência, o comentário mais comum: “Parece coisa do demônio!”. Na verdade, o que quer dizer é que parece ser “algo sobrenatural”.
Ninguém desaprende a pensar
A pessoa começa a duvidar de sua competência. Desenvolve uma dependência, em alguns casos, total. Antes de fazer qualquer tentativa, não pensa duas vezes para pedir ajuda. Com essa prática enviesada, deixa de usar a própria inteligência e a criatividade.
Desse ponto em diante, a inteligência artificial participa de todas as suas ações. Começa a ser utilizada para escrever artigos, matérias, trabalhos acadêmicos. Entra na programação para estabelecer estratégias de vendas, criar códigos de programação e até compor músicas e poesias. Quanto mais o usuário utiliza, mais dependente fica.
Ainda dá tempo de repensar
Não, não estou dizendo para deixar a inteligência artificial de lado. Ela é muito útil e será cada vez mais necessária neste mundo que aumenta a competitividade a cada dia. Recusar a ajuda desse recurso seria o mesmo que abrir as portas para a passagem livre dos concorrentes.
Precisamos ter em mente que o fato de o Chat GPT, por exemplo, sugerir mudanças em um texto, não significa que a modificação será necessariamente melhor. Antes de aceitar como se fosse um dogma, pondere sobre a conveniência de substituir.
Os vícios do Chat GPT
Por exemplo, se você pedir sugestão de título para o seu texto, de cada dez, provavelmente, oito terão dois pontos na frase. Se você escreveu “entretanto”, é quase certo que ele mudará para “no entanto”. Assim como, se a palavra era “importante”, pode esperar que ele vai sugerir um “crucial”. Nos casos em que tenha de apresentar vários itens, com certeza, virão as bolinhas (bullets ou marcadores).
São apenas alguns exemplos. Será que você, sozinho, não teria opções mais adequadas? E o seu estilo não conta? E sua presença de espírito, seu lado mais jocoso, que deixa o texto mais leve e atraente? Sem contar que essas “marcas” são indicação clara da presença da inteligência artificial.
Uma história fascinante
Lembro-me de quando visitamos uma grande empresa de tecnologia para conversar com a diretora de Recursos Humanos. Estava conosco a coordenadora de cursos da nossa escola. Ao lado da diretora sua assistente. Assim que nos sentamos, ela abriu o laptop e começou a digitar.
Nossa coordenadora, “à moda antiga”, anotou tudo o que pôde em seu caderninho. Na saída, comentei: “Veja como as empresas de tecnologia estão anos-luz à frente. A moça anotou tudo sem precisar fazer nenhum comentário”. Ela, meio sem jeito, disse: “Quem sabe um dia chego lá”. Mal sabia que, naquele dia, a tecnologia ainda ia pregar uma peça.
Um telefonema inacreditável
Assim que retornamos à escola, a secretária disse que a assistente da diretora havia ligado já três vezes. Alertou que era muito importante. Depois de fazer a ligação, a coordenadora teve um acesso de riso. Perguntei o que estava acontecendo.
Ela disse: “Você não vai acreditar. A assistente estava desesperada porque não conseguiu anotar uma única frase com sentido, e a diretora queria um relatório da reunião”. Foi muito engraçado e uma excelente experiência. A tecnologia é excepcional. Como eu disse, não dá para ficar sem. Esse é um ponto.
Nada como o equilíbrio
Mas temos de nos lembrar: pensar não é proibido. Ao contrário, quanto mais pensamos e nos preparamos, mais eficientes seremos ao pedir ajuda à inteligência artificial. Tanto que algumas empresas estão recontratando velhos executivos de cabelos encanecidos por causa da sua linguagem mais cuidada e riqueza vocabular. Conseguem, assim, obter respostas mais precisas e eficientes. Ou seja, a tecnologia é uma aliada, mas nunca deve substituir a mente por trás da tela.
Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de Oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão de Marketing e Comunicação, Gestão Corporativa e MBA em Gestão de Marketing e Comunicação na ECA-USP. Escreveu 37 livros, com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no https://reinaldopolito.com.br/home/,