
A Força da Sociedade Civil na Construção da Cidadania Tributária: A Conquista da Lei da Transparência Fiscal
Artigo * Luiz Flávio Borges D’Urso
Em tempos de Reforma Tributária, quando o Brasil discute o redesenho de seu sistema fiscal, é imprescindível recordar que os avanços institucionais tributários mais relevantes, brotaram, muitas das vezes, da mobilização da sociedade civil. Um exemplo emblemático desse protagonismo social foi a articulação nacional iniciada pela ACSP e pela OAB/SP, que resultou na Lei nº 12.741/2012, marco legal da cidadania tributária no país.
Esse movimento cívico teve início ainda em 2005, com a união de entidades representativas sob as lideranças de Guilherme Afif Domingos, então presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), e de Luiz Flávio Borges D’Urso, à época presidente da OAB/SP.
Essa articulação culminou na criação da campanha “De Olho no Imposto”, instrumento de conscientização coletiva sobre a carga tributária embutida no consumo cotidiano.
A ideia era simples, mas ponderosa, que visava permitir que o consumidor brasileiro pudesse visualizar, de forma clara, o montante estimado de tributos pagos em cada compra realizada ou serviço prestado. Tratava-se de transformar um Sistema, até então invisível, em um mecanismo transparente, o que é essencial para a democracia fiscal.
Assim, com base no art. 150, §5º da Constituição Federal (introduzido em nossa Carta Magna de 1988, pelo então Deputado Constituinte Guilherme Afif Domingues), que prevê o direito à informação tributária, foi redigido um projeto de lei, que teve como objetivo regulamentar esse dispositivo constitucional.
As entidades (ACSP e OAB/SP) redigiram uma minuta do projeto, com a participação do advogado Luiz Antonio Miretti, que juntamente com D’Urso, havia integrado, na década de 80, o Conselho do Jovem Empresário da ACSP, exatamente a convite do então Presidente da Casa, Guilherme Afif Domingos, em sua primeira gestão.
A mobilização por essa campanha ganhou corpo e capilaridade. Eventos como o realizado em 7 de março de 2006 no Clube Esperia, na capital paulista, reuniram milhares de pessoas, entre entidades da sociedade civil pelos seus representantes de diversas categorias profissionais, além de cidadãos comuns, todos em torno do mesmo ideal, a transparência tributária.
Como registrado pela imprensa da época, a iniciativa visava reunir 1,2 milhão de assinaturas para viabilizar um projeto de lei de iniciativa popular, requisito previsto no art. 61, §2º, da Constituição Federal.
Durante esta campanha, entidades como a Força Sindical, o Ciesp, a Fiesp, o Sescon, o CRM, a Associação Paulista de Medicina, o Instituto de Engenharia, o Lions, o Rotary, a Maçonaria, o Cresci, o Crea, dentre tantas outras, lideradas pela ACSP e pela OAB/SP desempenharam papéis decisivos nessa articulação e na coleta das assinaturas.
O texto do projeto com as assinaturas, foi entregue pelas entidades ao então presidente do Congresso Nacional Renan Calheiros, em uma giganteca caranava nacional, que se encontrou em Brasília para o ato.
O projeto previa que todas as notas fiscais ou faturas deveriam informar, ainda que de forma estimada, a composição da carga tributária incidente sobre aquela operação.
Assim, tanto a Câmara como o Senado, aprovaram o projeto que veio a ser sancionado, nascendo a Lei nº 12.741/2012, que estabeleceu um novo tempo para a cidadania tributária e consolidou a certeza de que a união da sociedade civil, articulada por suas instituições legítimas, pode mudar a realidade do país.
Afirmei em meu discurso no Clube Espéria na ocasião, que “o brasileiro não paga tributos, ele financia os gastos públicos sem ter o retorno necessário em serviços essenciais”. Essa constatação continua atual. O Brasil figura entre os países com uma das mais altas cargas tributárias do mundo, especialmente sobre o consumo, o que penaliza proporcionalmente mais os cidadãos de menor renda.
A promulgação da Lei nº 12.741/2012, em 8 de dezembro, coroou esse trabalho coletivo. A partir dela, passou a ser obrigatória a identificação aproximada da carga tributária nos cupons e notas fiscais de produtos e serviços, dividida entre tributos federais, estaduais e municipais. Essa exigência representa não apenas uma vitória normativa, mas um instrumento pedagógico permanente de cidadania fiscal, que aproxima o cidadão da realidade tributária brasileira.
Mas a luta não estava terminada, e a questão chegou ao judiciário. Todavia, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade, reconheceu a constitucionalidade da lei, consolidando seu efeito jurídico e reafirmando seu valor democrático (Supremo Tribunal Federal, ADI 5096/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Este caso é prova inequívoca de que a sociedade civil, quando estrategicamente articulada por meio de suas entidades representativas e com objetivos republicanos, pode interferir de modo legítimo e eficaz na agenda legislativa e na construção de um país mais consciente, democrático e justo.
Mais do que uma campanha passageira, a luta pelo direito à informação tributária tornou-se um divisor de águas na história da relação entre Estado e contribuinte no Brasil. E o caminho trilhado pela OAB/SP, pela ACSP e por todas as entidades envolvidas permanece como exemplo de que a cidadania se constrói com participação, mobilização e compromisso com o interesse público.
* Luiz Flávio Borges D’Urso é Advogado Criminalista, Vice-Presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de SP (OAB/SP) por três gestões (2004/2012), Mestre e Doutor pela USP, Pós-Doutor pela Faculdade de Direito de Castilla-LaMancha (Espanha), Fundador e Presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM e Presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM.