
A Democracia em Desidratação: o silêncio da imprensa, o ruído das fake news e a era da dominação pelas castas
Por Redação São Paulo TV Direção de Jornalismo Brasil
Com fonte do O Estado de S. Paulo, Freedom House, V-Dem, ONU, OCDE, RSF, e observatórios democráticos internacionais com Ilustração: amp.aquinoticias.com
I. Um mundo menos democrático: o colapso silencioso das liberdades
A democracia está em retração. Segundo o relatório “Democracy Report 2024” do Instituto V-Dem (Varieties of Democracy), a quantidade de pessoas vivendo sob regimes autocráticos supera, pela primeira vez no século XXI, a população sob regimes plenamente democráticos. O estudo mostra que, em 2024, apenas 13% da população mundial vive em democracias liberais plenas – índice semelhante ao de 1989, ano da queda do Muro de Berlim.
Enquanto isso, países como Índia, Rússia, Turquia, El Salvador e até mesmo os Estados Unidos experimentam erosão de pilares democráticos como a independência do judiciário, liberdade de imprensa e eleições justas. No Brasil, mesmo após a redemocratização, a democracia permanece frágil, capturada por interesses de castas políticas, econômicas e ideológicas que atuam com brutal eficácia para desmobilizar a consciência crítica da população.
II. O enfraquecimento da imprensa: um ataque à alma da democracia
Dados da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) mostram que 2023 foi o pior ano da década para a liberdade de imprensa. No ranking global, o Brasil caiu 11 posições, figurando entre os países com maior pressão política e econômica contra jornalistas. Mais de 130 casos de agressões físicas, perseguições judiciais, cortes de verbas públicas a veículos independentes e campanhas de difamação foram registrados.
Esse cenário não é isolado. Nos Estados Unidos, jornalistas enfrentam ameaças em coberturas políticas locais; na Hungria, quase todos os veículos de grande alcance foram cooptados por aliados do governo de Viktor Orbán; nas Filipinas, a ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, Maria Ressa, segue sob constante perseguição judicial por denunciar abusos estatais.
Na América Latina, a situação é crítica: na Nicarágua, mais de 30 jornalistas estão exilados; na Venezuela, rádios comunitárias são sistematicamente fechadas; no México, o jornalismo investigativo tornou-se uma profissão de risco – mais de 150 jornalistas foram assassinados na última década, segundo o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ).
III. Polarização e fake news: os novos arsenais do poder
O século XXI inaugurou uma nova arma política: a desinformação. Redes sociais que deveriam ser ambientes de debate democrático tornaram-se máquinas de radicalização algorítmica, promovendo bolhas de informação onde verdades desaparecem e a emoção toma o lugar do raciocínio.
Estudo da Universidade de Oxford com mais de 80 países mostrou que governos investem diretamente na produção e disseminação de fake news para influenciar processos eleitorais e manipular a opinião pública. No Brasil, os impactos são visíveis: desde 2018, o TSE monitora redes de desinformação ligadas a estruturas de poder, mas enfrenta dificuldades em conter seu alcance.
A Meta (Facebook e Instagram) e o X (antigo Twitter) são as plataformas mais usadas para campanhas de ódio e desinformação. Mais grave: há evidências de que empresas privadas, think tanks ideológicos e influenciadores são remunerados para distorcer fatos, alimentar conflitos e descredibilizar instituições. É a mentira como estratégia de governo.
IV. Castas e clientelismo digital: a nova aristocracia global
O sistema democrático atual está sendo instrumentalizado por elites que operam acima das regras. O que antes se chamava de “classe dominante” deu lugar a castas político-econômicas que, sob aparência democrática, dominam as estruturas do Estado. Usam a máquina pública para promover desigualdade, enfraquecer instituições e destruir a capacidade do povo de se organizar politicamente.
Essas castas alimentam polarizações artificiais – direita versus esquerda, conservadorismo versus progressismo, nacionalismo versus globalismo – como cortina de fumaça para o que realmente está em jogo: o controle da informação, do voto e do orçamento público. O resultado é a naturalização da injustiça, o desmonte da educação crítica e a transformação do cidadão em consumidor passivo de narrativas fabricadas.
V. O papel da educação, cultura e imprensa na reconstrução democrática
Sem uma imprensa livre, não há vigilância, nem contraponto, nem memória. A erosão do jornalismo investigativo abre caminho para o autoritarismo sorrateiro, aquele que se disfarça de democracia. Do mesmo modo, uma educação sucateada e uma cultura hostil ao pensamento crítico formam uma sociedade incapaz de resistir às mentiras institucionalizadas.
Programas de letramento digital e checagem de fatos, como os desenvolvidos pela Unesco, Aos Fatos, Lupa e First Draft, são iniciativas que precisam ser ampliadas e financiadas por políticas públicas reais. A democracia só floresce quando a população tem acesso à verdade, à pluralidade de ideias e à liberdade de expressão.
VI. O futuro: entre a barbárie e a reconstrução
O enfraquecimento da democracia não é inevitável, mas seu combate exige ação coordenada, coragem cívica e instituições que defendam a Constituição acima de interesses partidários ou econômicos. Precisamos falar sobre democracia fora do período eleitoral. Precisamos entender que cada ataque à imprensa é um ataque ao direito de saber, de escolher e de existir como cidadão.
Se a democracia morre na escuridão, cabe à imprensa manter a luz acesa. A missão é difícil. Mas, como já alertava o escritor Albert Camus: “A liberdade é uma luta constante contra aqueles que querem a servidão como norma”.
Fontes utilizadas:
- Jornal O Estado de S. Paulo
- Instituto V-Dem (Suécia)
- Freedom House (EUA)
- Reporters Without Borders (RSF)
- OCDE
- Datafolha
- Center for Countering Digital Hate (Reino Unido)
- ONU – Relatório sobre o Estado da Liberdade de Expressão (2024)
- UNESCO – Educação Midiática e Informacional
- CPJ – Committee to Protect Journalists
- Observatório Internacional da Democracia