
IOF. STF administra justiça de Salomão*
Dr. Kiyoshi Harada
O aumento do IOF, um imposto regulatório, convolado em um imposto arrecadatório para financiar despesas fantásticas e discutíveis que crescem infinitamente, transformou-se em uma discussão homérica por meio de argumentos, aonde predomina a paixão com total exclusão das teses de direito.
Os Decretos números 12.466/2025, 12.467/2025 e 12.499/2025 procederam ao brutal aumento do IOF incidente sobre as operações de câmbio, de seguro e de créditos. Assinale-se, de início, que as operações de seguro não foram reguladas pela invocada Lei n º 8.894/1994, pelo que suas alíquotas não são passíveis de alteração por Decreto sequer em tese.
O operoso legislador palaciano, assessorado pelo seu fiel escudeiro, Fernando Haddad, precisou de editar nada menos que três Decretos para aumentar o IOF. Um para cada aumento. O sempre operoso legislador do Planalto esqueceu de editar o 4º Decreto elevando, também, as alíquotas do imposto incidente sobre operações de valores mobiliários, ou ele não sabia que o IOF se desdobra em 4 diferentes impostos, fato que passou desapercebido, igualmente, pelo seu astuto escudeiro orientador.
Ficou bem caracterizado o desvio de finalidade, isto é, o governo utilizou de um poder que tinha para fazer uma coisa e fez outra.
Não se discute a prerrogativa de o governo aumentar impostos.
O aumento de imposto não se insere no campo do Direito Tributário, mas na seara da política tributária de competência do Executivo.
O governo Lula adotou a política tributária de aumentar os impostos a cada 37 dias, para financiar despesas correntes, sem nenhuma destinação para as despesas de capital que representam gastos reprodutivos, isto é, despesas que geram expansão das fontes produtoras de riquezas.
Só que a cada R$ 100 mil arrecadado a mais, por exemplo, o governo consegue aumentar as despesas em R$ 200 mil.
Foi assim que, desde 2023, o governo conseguiu cavar um déficit primário de R$ 922 bilhões.
Neste caso específico de elevação do IOF, o governo contrariou o seu lema de taxar os ricos.
Com efeito, a classe mais endividada é a da população pobre atingida em cheio com a elevação do IOF incidente sobre as operações de crédito, contribuindo para encarecer tudo. Esse aumento funciona como retroalimentador da inflação e da alta de juros, tudo na contramão dos objetivos do governo.
Por isso, a Câmara dos Deputados convocou o Ministro Haddad para explicar os aumentos do IOF por Decretos e não por via de projeto de lei.
Os deputados abandonaram as tribunas em face das explicações nebulosas do Ministro da Fazenda tentando explicar o inexplicável. Indignado, o Ministro Haddad chamou os deputados de moleques. Houve forte reação dos parlamentares que devolveram as ofensas perpetradas.
No auge do confronto, o Ministro Haddad tirou uma licença de 5 dias até a temperatura baixar.
Voltou à carga, desta vez, para acionar a AGU a fim de ingressar com a Ação Declaratória de constitucionalidade, ADC nº 96, para validar o aumento do IOF e, por conseguinte suspender o Decreto Legislativo nº 176/2025 da Câmara dos Deputados que sustou o aumento do IOF por Decretos.
Essa ação caiu sob a Relatoria do insigne Ministro Alexandre de Moraes que é muito versado em Direito Tributário, estudioso que é.
Mas, para a grande surpresa de todos e contrariando todas as expectativas Sua Excelência realizou uma justiça de Salomão. Suspendeu os Decretos que aumentaram o IOF e, ao mesmo tempo, suspendeu o Decreto Legislativo nº 176/2025 da Câmara dos Deputados que sustou a elevação do IOF por Decretos.
Para justificar tal posicionamento alegou que há dúvida quanto à legalidade do aumento por meio de Decretos. Eventual dúvida deveria ser dirimida pela Turma julgadora no exercício da jurisdição.
Porém, com a devida vênia não há dúvida alguma.
Para aumentar um imposto ordinatório não basta fundamentar-se no § 1º do art. 153 da CF e na Lei 8.894/1994 que fixa os limites e condições do aumento do IOF.
É preciso que o Decreto justifique a necessidade de regulamentar os mercados de câmbio, de seguro e de créditos por via do IOF, para fazer face ao advento de uma conjuntura nacional ou internacional extraordinário que exija imediata intervenção governamental
para disciplinar os efeitos do acontecimento atípico, com potencial para desorganizar os setores retroapontados.
Ora, nada aconteceu no mundo fenomênico, antes do advento do aumento do IOF, que tivesse o condão de causar distorções nos mercados de câmbio, de seguro e de créditos.
Outrossim, o uso IOF como meio de financiar despesas públicas, e não para regular atividades, já se incorporou na cultura de sucessivos governantes.
No governo Dilma, inúmeros aumentos do IOF foram perpetrados por Decretos, a fim de suprir déficits de caixa.
Nenhuma ADI restou julgada em seu mérito devido a extrema morosidade do STF em decidir causas de espécie, em que os pedidos de medida cautelar nunca foram apreciados pela Corte Maior.
Tivemos um caso inédito no governo Dilma em que no decorrer de uma ADI houve retorno da alíquota do IOF ao patamar original, causando a perda de objeto que logo foi seguida de novo aumento ensejando a propositura de outra ADI, igualmente, não decidida a tempo pelo STF que causou nova perda do objeto pelo retorno à alíquota original. Tudo isso é muito sintomático!
Desta vez, o STF ao invés de enfrentar a ação em seu mérito resolveu intermediar o litígio suspendendo tanto o aumento do IOF, como o Decreto Legislativo da Câmara dos Deputados que sustou o aumento tributário.
Ora, se o aumento é constitucional, é inconstitucional o Decreto Legislativo da Câmara que sustou o aumento e vice-versa.
A intenção o insigne Ministro Alexandre de Moraes é a de fazer com que as partes façam um acordo para encontrar uma solução que atenda aos interesses da sociedade e aos do governo. Só que isso não é o papel reservado à Mais Alta Corte de Justiça do País. Nem cabe às partes decidir pela constitucionalidade da metade do aumento e inconstitucionalidade da outra metade, por exemplo.
Assim estamos inaugurando a tese da semi constitucionalidade ou semi inconstitucionalidade do aumento. Isso não existe em direito, como não há, por exemplo, a figura de semi-honesto ou semi-ímprobo. A honestidade ou a probidade não comporta adjetivação, nem mediação.
Da mesma forma, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei não comporta negociação pelas partes. Há de ser proclamada pelo STF, intérprete máximo da Constituição, em nome da segurança jurídica.
Na prática, a decisão do insigne Ministro Alexandre de Moraes a quem muito respeitamos pela seu elevado saber jurídico, equivale à instalação do juizado de mediação e conciliação no âmbito do STF sem previsão legal.
Só que o povo tem o sagrado direito de saber o que é constitucional e o que não é pelo pronunciamento da Corte Suprema, guardiã da Constituição Federal.
SP, 7-7-2025.
* Texto publicado no Migalhas, edição nº 6.136, de 8-7-202
Com mais de 50 anos de experiência, dr. Kiyoshi Harada é um dos nomes mais conceituados em Direito Tributário e Direito Financeiro na América Latina. É autor de inúmeras obras jurídicas e professor de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro em diversas instituições de ensino superior. Especialista em Direito Tributário e Ciência das Finanças, é Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas e ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Dr. Kiyoshi Harada
- Bacharel em Direito pela FADUSP, em 1967
- Especialista em Direito Tributário pela FADUSP, em 1968
- Especialista em Ciência das Finanças, pela FADUSP, em 1969
- Mestre em Direito pela UNIP em 2000
- Professor de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro em diversas instituições de ensino superior
- Autor de 43 obras jurídicas e de mais de 750 artigos e monografias; co-autor em 58 obras coletivas jurídicas e não-jurídicas
- Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo
- Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas
- Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário (Ibedaft)